Consciente de que o carisma do irmão e sua forma de exercer o poder eram inimitáveis, ele promoveu uma forma de governar colegiada
Raúl Castro assiste a um desfile em homenagem a seu falecido irmão Fidel Castro em Havana.Na época, George W. Bush era quem mandava na Casa Branca e as relações cubano-americanas viviam momentos de grande tensão. Os Estados Unidos eram o inimigo imperialista e ninguém teria dito então que Washington e Havana poderiam restabelecer relações se o bloqueio dos Estados Unidos não fosse levantado primeiro.
A primeira missão de Raúl Castro ao substituir o irmão foi garantir uma sucessão ordeira e sem traumas e, mais ainda, demonstrar que a revolução poderia sobreviver sem Fidel no comando. Em 2006, muitas chancelarias estrangeiras acreditavam que o fidelismo sem Fidel era impossível, e até faziam apostas sobre quanto tempo levaria para a ilha se tornar um país “normal”. Mas Fidel morreu dez anos depois sem nunca ter voltado à frente da política em razão de seu delicado estado de saúde, e nada aconteceu.
Raúl, o eterno número dois e ministro das Forças Armadas por quase meio século, foi formalmente nomeado presidente em 2008 e, três anos depois, eleito primeiro secretário do Partido Comunista. Ciente de que o carisma do irmão e sua forma de exercer o poder eram inimitáveis, desde que chegou ao Palácio da Revolução Raúl designou o Partido Comunista como “o único herdeiro digno de Fidel” e promoveu uma forma colegiada de governar, acabando com o personalismo e reforçando a institucionalidade.
De início Raúl Castro dedicou tempo considerável a fazer com que os Conselhos de Estado e de Ministros recuperassem o protagonismo perdido, já que na época de Fidel muitas decisões importantes eram tomadas no gabinete do líder com um pequeno grupo de colaboradores. Simultaneamente a esse esforço de institucionalização, Raúl Castro empreendeu uma ofensiva singular para acabar com o que chamou de “proibições absurdas” e “gratuidades indevidas”.
Os cubanos finalmente puderam se hospedar nos mesmos hotéis que os turistas estrangeiros, ter celular, vender suas casas e carros. Pouco a pouco o uso da internet foi sendo ampliado e o Governo eliminou o humilhante ‘cartão branco’, a autorização de saída, obrigatório para qualquer cubano que viajasse. Discretamente, o novo presidente cubano também começou a desmontar todos os andaimes de subsídios, folhas de pagamento infladas e ajuda econômica a empresas não rentáveis que durante décadas sustentaram o sonho de Fidel de uma sociedade igualitária e, assim, numa bela manhã saiu a notícia de que no setor estatal havia um milhão de postos de trabalho a mais do que o necessário.
Raúl optou pelo desenvolvimento do setor privado como forma de ajudar o país a sair da crise e reabsorver toda a força de trabalho excedente, depois de ter experimentado com sucesso o chamado “sistema de autogestão empresarial” nas corporações e indústrias das Forças Armadas, fórmula que dava maiores incentivos aos trabalhadores e mais autonomia à direção das empresas, visando maior eficiência econômica.
Ao contrário de Fidel, que durante a crise dos anos 1990 autorizou o trabalho autônomo, mas sempre o considerou um “mal necessário” e o asfixiou quanto pôde, Raúl deu estímulos com mais ousadia —em 2008 havia cerca de 150.000 autônomos em Cuba, hoje são mais de 600.000, ou seja, 13% da força de trabalho. Há quase uma década está sobre a mesa a constituição de pequenas e médias empresas e cooperativas não agrícolas, mas essa medida reformista de longo alcance, que tem sido defendida em inúmeras ocasiões por economistas para reativar o sistema produtivo, ainda não se concretizou. É uma das muitas tarefas pendentes que deixa aos seus herdeiros políticos na esfera econômica, onde a ilha enfrenta os desafios mais prementes no futuro imediato.
Em seus dez anos à frente do Governo (2008-2018), nada mudou substancialmente no campo político. Cuba continuou a ser um país de partido único, com um sistema estatal e planejamento central, mas as coisas mudaram no econômico, embora muito lentamente. Em mais de uma ocasião, Raúl Castro clamou contra a “velha mentalidade” instalada na parte mais obscura do partido e da burocracia do Estado, pedindo que não continuassem a impor empecilhos à roda das mudanças e que “as forças produtivas fossem destravadas”.
Ou não pôde ou não conseguiu, mas a verdade é que Raúl deixou aberto o caminho da reforma econômica, que é crucial para a sobrevivência da revolução cubana e um dos principais temas do VIII Congresso. Resta saber até onde seus sucessores estão dispostos a ir.
Outro momento importante de sua presidência foi a negociação da normalização das relações entre Cuba e os Estados Unidos. Em 2016, Raúl Castro recebeu uma visita à ilha que parecia impossível, a de Barack Obama —que, veladamente, foi depois criticado por Fidel em um comentário à imprensa. Mas logo em seguida Donald Trump chegou à Casa Branca e a reaproximação voou pelos ares. Antes de partir, também teve a iniciativa de estabelecer o limite máximo de dois mandatos de cinco anos para os altos cargos, o que, no seu caso, agora se cumpre. Se não houver surpresas, durante o VIII Congresso do PCC, que se realiza nestes dias em Havana, Raúl entregará a direção do Partido Comunista ao atual presidente do país, Miguel Díaz-Canel, que ele elevou a essa posição em 2018. É sua aposta pessoal para que a revolução sobreviva e continue sem o sobrenome Castro, sem dúvida o maior de todos os desafios.
FONTE:EL PAIS
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